O confucionismo é compatível com o marxismo? 

Recentemente, um amigo me enviou um artigo intitulado Por que o pensamento confuciano pode ser compatível com o marxismo? (Originalmente publicado na Revista da Universidade de Shandong em 15 de novembro de 2023, Edição 31), escrito por Wang Xuedian, membro do 13º e 14º Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, Decano Executivo do Instituto de Pesquisa Avançada do Confucionismo da Universidade de Shandong e editor-chefe de várias publicações, incluindo Filosofia e História e Estudos de Confúcio. Este é um tópico da qual tenho muito interesse, então, naturalmente, li todo o artigo. O argumento central do artigo de Wang Xuedian é que o marxismo deve ser combinado com a excelente cultura tradicional chinesa, e como o conteúdo principal desta cultura vem do confucionismo, o confucionismo é compatível com o marxismo. Portanto, a combinação do marxismo com a excelente cultura chinesa deve incluir a integração com a cultura confuciana. Obviamente tenho desacordo com essa visão. 

  1. O Confucionismo é uma arma teórica cuja essência é manter os pilares espirituais da classe dominante feudal 

Para entendermos a relação entre o confucionismo e a cultura marxista, é necessário reconhecer, primeiramente, a essência e os atributos básicos da cultura. Como esclareci anteriormente no artigo Sobre a Essência da Cultura e a Essência da Cultura Tradicional Chinesa, a essência da cultura geralmente faz referência à ideologia da sociedade. A ideologia social é um reflexo da base econômica social, então o atributo ou característica mais básica da cultura é sua temporalidade (ou natureza histórica), nacionalidade e, na sociedade de classes, a sua natureza de classe. O confucionismo surgiu durante os períodos da Primavera e Outono e dos Estados Combatentes da China [1], com Confúcio, sendo os “Os Analectos” sua obra mais típica e representativa. Esse período também viu o surgimento de muitos outros pensadores, tais como Xunzi, Zhuangzi e Mozi [2], marcando uma era de disputa entre várias escolas de pensamento, cada uma com suas distinções e semelhanças. Durante o reinado do Imperador Wu da Dinastia Han, Dong Zhongshu propôs a ideia de “abolir as cem escolas de pensamento e venerar exclusivamente o confucionismo” [3]. A partir de então, o confucionismo tornou-se o sistema doutrinário dominante na sociedade feudal chinesa, e após a sistematização e aprofundamento por Zhu Xi na Dinastia Song [4], o pensamento confuciano penetrou e infiltrou-se em todas as áreas da sociedade chinesa, especialmente entre os oficiais da classe dominante feudal, tornando-se a arma teórica e o ópio da classe latifundiária feudal para manter a ordem feudal, suprimir e entorpecer o povo trabalhador. A razão fundamental reside nas ideias centrais e no conteúdo principal do confucionismo. O confucionismo enfatiza, primeiramente, a natureza imutável da hierarquia e da ordem social, com conceitos como “o rei deve agir como rei, o ministro como ministro, o pai como pai e o filho como filho”, “o rei é a diretriz para os ministros” e o “o marido é a diretriz para a esposa”. Quando a sociedade enfrenta uma situação caótica de “colapso dos ritos e destruição da música”, é necessário buscar estabelecer um “sistema de rituais” para manter os interesses da classe dominante. Para esse fim, o confucionismo considera “restringir-se e retornar aos ritos” como o princípio fundamental de sua doutrina, essencialmente fortalecendo o sistema burocrático, mantendo o poder monárquico e estabelecendo um sistema político e ordem social baseados na supremacia do poder. Confúcio também propôs que seu sistema estivesse baseado na “benevolência”, onde o significado primário de “benevolência” seria “restringir-se e retornar aos ritos, com o mundo se voltando para a benevolência”. Ao mesmo tempo, Confúcio também falou de “amar as pessoas”, mas a premissa de “amar as pessoas” são os “ritos”, baseados em um sistema hierárquico desigual e rigoroso. Na realidade, exigia o amor dos inferiores para com os seus superiores, bem como a obediência absoluta do povo às autoridades. Lu Xun, em Diário de um Louco [5], discutiu a essência da “benevolência, justiça e moralidade” confuciana, dizendo: 

“Quando abri o livro de história, não havia datas, e cada página estava escrita tortuosamente com as palavras ‘benevolência, justiça e moralidade’. Não consegui dormir e olhei atentamente por metade da noite, e pelas fendas entre as palavras, vi que o livro inteiro estava escrito uma palavra: ‘canibalismo’!” 

O “canibalismo” mencionado aqui não é físico, mas espiritual, que transforma as pessoas em seres absolutamente obedientes diante das autoridades, sem direito de questionar ou resistir, sendo para sempre “pecadoras” diante das autoridades. Nesse sentido, a essência da cultura confuciana é também uma cultura de servidão. Uma parte importante do confucionismo é a ênfase no “aprendizado”, mas o propósito da leitura e do aprendizado é “aprender e então ser um oficial”, subir a escada do poder em todos os níveis e subir o mais alto possível. Esses conteúdos são, sem dúvida, as partes centrais e dominantes do confucionismo, e também são as razões fundamentais para Dong Zhongshu “abolir as cem escolas de pensamento e venerar exclusivamente o confucionismo”.

2) O conteúdo racional do confucionismo não é a sua parte essencial e dominante

A visão materialista da história exige que façamos uma análise dialética de qualquer doutrina cultural, incluindo o confucionismo. O confucionismo, além de suas impurezas, também possui uma essência. Como o artigo de Wang afirma: 

”A excelente cultura tradicional chinesa tem uma longa história e profundidade, contendo conceitos como ‘o mundo pertence ao público’, ‘o povo é a base do estado’, ‘governar com virtude’, ‘reformar o antigo e criar o novo’, ‘nomear pessoas com base no mérito’, e a doutrina filosófica da ‘unidade entre o céu e o homem’, ‘melhoria contínua’, ‘carregar virtude com generosidade’, ‘valorizar a honestidade e a harmonia’, ‘ser gentil com os vizinhos’, etc. Falar sobre benevolência, valorizar o povo, manter a integridade, estimar a justiça, defender a harmonia e buscar a Grande Unidade. Estes seis pontos são todos ideias confucianas.” 

Não nego que existam muitos conteúdos essenciais no confucionismo, especialmente em termos de educação e aprendizado. Por exemplo, Confúcio disse que o aprendizado deve ser seletivo: “Escolha o que é bom e siga-o; o que não é bom, mude-o”, “Ao ver uma pessoa virtuosa, pense em igualá-la; ao ver uma pessoa não virtuosa, reflita sobre si mesmo”. Podemos listar muitos desses conteúdos. No entanto, os pensamentos acima definitivamente não são as partes dominantes ou centrais do confucionismo. É um erro ver os conteúdos essenciais específicos do confucionismo como a totalidade ou o núcleo da doutrina confuciana. Comparado com as ideias de supremacia do poder, restringir-se e retornar aos ritos e cultura canibalística, esses pensamentos são apenas partes não dominantes e não centrais da doutrina confucionista. Ao mesmo tempo, a visão materialista da história acredita que a verdade não é abstrata, mas concreta. Qualquer conteúdo específico da cultura confuciana não pode ser separado da totalidade do confucionismo. Por exemplo, as ideias de que “tudo sob o céu pertence a todos” e “buscar a Grande Unidade” são mencionadas no capítulo “Li Yun” da obra confuciana “O Livro dos Ritos”. A característica notável da “sociedade da Grande Unidade” é que nela “tudo sob o céu pertence a todos“. Mas essa “Grande Unidade” e “o mundo pertence ao público” fazem referência à era passada das dinastias Xia, Shang e Zhou, que foi substituída pela “sociedade moderadamente próspera” [6]. A característica típica da sociedade moderadamente próspera é de que “o mundo é uma família, cada um ama seus próprios parentes, cada um cuida de seus próprios filhos, riqueza e poder são para si mesmo, os anciãos do mundo praticam isso como um rito, e fossos e muros são para defesa.” É uma era de “ritos e justiça como norma, para retificar o governante e o ministro”, uma era de restringir-se e retornar aos ritos. As dinastias Xia, Shang e Zhou que existiram de verdade, definitivamente, não eram uma “sociedade da Grande Unidade” onde “o mundo pertence ao público”; na verdade, eram uma típica sociedade escravista baseada na propriedade privada. O que Confúcio enfatiza e defende aqui é uma sociedade baseada na propriedade privada e conceitos privados, uma “sociedade moderadamente próspera” centrada em si mesmo. Muitos pesquisadores da cultura tradicional chinesa interpretam os conceitos de “Grande Unidade” e o “mundo pertence ao público” de Confúcio como a “propriedade pública”, ou com o conceito “comunismo” e “servir ao povo” dos comunistas, o que é absolutamente equivocado. Além disso, a visão moral do confucionismo e suas ideias sobre o “virtuoso” e o “não virtuoso”, o “bom” e o “mau” mencionadas no “aprendizado” também são concretas, carregando típica hipocrisia. Elas são fundamentalmente opostas à visão marxista de “bom e mau”.

3) A critica e derrubada do confucionismo durante o Movimento 4 de Maio

De fato, como a essência do confucionismo é preservar a ordem feudal, ele desempenhou um papel positivo no desenvolvimento das forças produtivas sociais e na estabilidade da sociedade nos estágios iniciais da sociedade feudal. No entanto, à medida que as forças produtivas sociais se desenvolviam, as relações de produção feudais e os sistemas políticos tornavam-se cada vez mais grilhões e obstáculos ao desenvolvimento social. Portanto, em uma era em que as contradições de classe na sociedade feudal se intensificavam, havia levantes camponeses em larga escala contra o sistema de governo, bem como críticas e oposição ao confucionismo em graus variados.

No entanto, alguns pensadores, como Kang Youwei [7], atribuíram a gravidade dos problemas sociais e a intensificação das contradições sociais à perda ou ao conservadorismo do pensamento confuciano. Ele visava reformar o velho confucionismo, defendendo o novo confucionismo para “estabelecer o confucionismo como a religião do estado”, mas, na essência, ele ainda queria usar o pensamento confuciano para salvar a China. Independentemente de como ele reformou a doutrina confuciana, sua tentativa de salvar a dinastia feudal em ruínas com a “Reforma dos Cem Dias”, centrada no poder imperial, acabou em fracasso.

Como o confucionismo havia se tornado um grilhão ideológico extremamente importante,  que impedia severamente o desenvolvimento da sociedade chinesa, o Movimento de 4 de Maio, que eclodiu em 1919, foi um movimento patriótico anti-imperialista e anti-feudal extremamente grande. O chamado “anti-feudalismo” significava a critica e oposição à autocracia feudal com o confucionismo como seu conteúdo central. “Abaixo a loja confuciana” foi um slogan extremamente importante durante todo Movimento de 4 de Maio. Enquanto criticava a cultura confuciana baseada na “supremacia do poder”, defendia vigorosamente o Movimento da Nova Cultura de “democracia e ciência”. A principal figura representativa do movimento de nova cultura, Chen Duxiu, defendia fortemente a “abolição dos três guias cardeais”, acreditando que esses “guias” transformavam as pessoas em “acessórios sem personalidade independente” e que era uma “moralidade de escravos pertencer a outros” [8]. Ele argumentou que a “moralidade, educação ritual e política” de Confúcio pertenciam todos aos “direitos e honras de alguns monarcas” e não tinham nada a ver com “a felicidade da maioria”. Li Dazhao defendia a liberdade humana, e o inimigo da liberdade era “apenas o imperador e o sábio” [9]. Lu Xun denunciou essa cultura confuciana como uma cultura “canibalística”, que era a razão fundamental para a ignorância, atraso e entorpecimento da nação.

Foi também a profunda crítica ao confucionismo durante o Movimento de 4 de Maio que, não apenas promoveu o desenvolvimento de tendências liberais e democráticas burguesas, mas também iniciou a difusão do marxismo na China, levando ao surgimento do proletariado chinês no cenário político, estabelecendo assim a base ideológica para a fundação do Partido Comunista da China.

4) O impacto corrosivo e destrutivo do confucionismo para as conquistas socialistas da China contemporânea

A Revolução Xinhai de 1911 derrubou o sistema feudal da China, e o Movimento de 4 de Maio expôs e criticou profundamente a cultura confuciana que sustentava o sistema feudal. Em 1949, a Nova China socialista foi estabelecida, mas as impurezas da cultura confuciana não foram verdadeiramente erradicadas e continuaram a existir e até mesmo a florescer. A aparição de “A Biografia de Wu Xun” nos primeiros anos da fundação da República Popular da China é uma manifestação típica do feudalismo desenfreado [10]. Após a Reforma e Abertura, o feudalismo tornou-se ainda mais grave. Por exemplo, o romance “Soft Burial” de Fang Fang, presidente da Associação de Escritores de Hubei, nega completamente a reforma agrária e defende a classe latifundiária derrubada [11]. Alguns meios de comunicação e veículos na internet têm reabilitado grandes latifundiários como Liu Wencai, Zhou Bapi e Huang Shiren [12], uma estátua de Confúcio foi construída no lado leste da Praça Tiananmen [13], e a professora Yu Dan da Universidade Normal de Pequim trata “Os Analectos” como a verdade suprema e “sopa de galinha para a alma” para os jovens no programa “Lecture Room” da CCTV [14]. A cultura feudal de “supremacia do poder” e “orientada para o oficial”, combinada com a cultura capitalista baseada na “supremacia do dinheiro”, que se espalhou posteriormente a Reforma e Abertura forma o conteúdo ideológico e cultural mais corrupto na China contemporânea, infiltrando-se em todos os cantos da sociedade chinesa e tendo um impacto severo nos funcionários chineses, intelectuais e jovens estudantes, moldando um grande número de indivíduos servis e deformados, que se prostram diante do poder e do dinheiro. Especialmente nos últimos anos, a extensão da bajulação, adulação, culto à personalidade, adoração ao poder e o elogio nauseante dos que estão no poder por alguns funcionários e acadêmicos nos círculos oficiais e teóricos atingiu o nível mais grave desde a fundação da República Popular. Os direitos democráticos do povo de criticar e aconselhar os que estão no poder, direitos estes concedidos pela constituição do Partido e pela constituição da República, foram severamente prejudicados. Ao longo da minha vida, tenho o sentimento de que a servilismo de algumas pessoas ao meu redor é algo extremamente grave. Em conversas privadas, muitas pessoas têm certas opiniões sobre os líderes e oficiais, até mesmo amaldiçoando-os em conversas privadas, mas quando se trata de expressar opiniões e sugestões em ocasiões formais e reuniões, eles não ousam dizer uma palavra, agindo como ratos diante de um gato, rastejando e se encolhendo diante daqueles que possuem poder. Ao mesmo tempo, o fenômeno de criar dificuldades para os subordinados e para as massas, quando estes oferecem criticas e sugestões, é algo generalizado. A essência desses fenômenos é a influência e manifestação das visões de poder autocrático feudal na vida real. O Comitê Central do Partido Comunista da China enfatiza a necessidade de construirmos uma sociedade socialista moderna. No entanto, o fato objetivo é que a maioria das pessoas, incluindo muitos funcionários do Partido e do governo, assim como muitos intelectuais, estão cultivando uma trança espessa e longa de cultura feudal atrás de suas cabeças [15], resultando em uma grave falta de atmosfera democrática no Partido e em toda a vida social. Sem cortar essa trança e criticar profundamente o feudalismo, não pode haver verdadeira democracia socialista e modernização socialista.

5) A relação entre marxismo e confucionismo só pode ser uma relação de herança crítica

O artigo de Wang enfatiza repetidamente a “compatibilidade” entre o pensamento confuciano e o marxismo. A chamada “compatibilidade” é definida no dicionário chinês como “conformidade”. O artigo de Wang afirma: 

”Por que apenas o pensamento confuciano pode ser compatível com o marxismo? 1. O confucionismo é uma escola de pensamento com forte senso de missão. O confucionismo não é uma religião, nem é uma doutrina ética para autodesenvolvimento, nem é apenas uma filosofia moral. 2. O pensamento confuciano é, na verdade, uma teoria completa e exemplar do desenvolvimento social. A teoria do desenvolvimento social e a teoria da governança social confucianas podem competir com o liberalismo e o socialismo como teorias de desenvolvimento social. 3. O confucionismo é compatível com o marxismo porque ambos são teorias de desenvolvimento social. O marxismo é uma teoria completa e exemplar do desenvolvimento social, e apenas outra teoria de desenvolvimento social pode ser compatível com ele, não uma religião ou uma mera ética. Dentro do quadro da excelente cultura tradicional chinesa, apenas o pensamento confuciano tem os atributos de uma teoria de desenvolvimento social, então apenas ele pode ser compatível com o marxismo.” 

Obviamente, o julgamento e o raciocínio acima estão incorretos.

Primeiro, o confucionismo, especialmente sua figura representativa Confúcio, de fato tem um senso de responsabilidade e missão, mas seu senso de responsabilidade e missão é baseado no ponto de vista da classe dominante feudal latifundiária, algo completamente irrelevante para a missão histórica e o senso de responsabilidade do marxismo, que busca eliminar a propriedade privada e a classe exploradora para assim conquistar a libertação do proletariado.

Segundo, o confucionismo, em certo sentido, também pode ser considerado uma teoria de desenvolvimento social, porque qualquer teoria social é proposta por indivíduos a partir de um ponto de vista de classe e visão de mundo em relação à estabilidade e desenvolvimento social. As doutrinas de Xunzi, Mêncio, Mozi e Zhuangzi também são teorias de desenvolvimento social. A teoria liberal da burguesia também é uma teoria de desenvolvimento social, assim como o marxismo. Eles representam teorias de desenvolvimento de diferentes épocas e classes. Mas quem é o sujeito do desenvolvimento? Qual é o conteúdo do desenvolvimento? Qual é a força motriz do desenvolvimento? Quais são o propósito e os objetivos do desenvolvimento? Estes não são totalmente os mesmos, e em alguns casos, são fundamentalmente opostos. Podemos, então, deduzir logicamente que eles são “compatíveis” apenas porque todas seriam “teorias de desenvolvimento social”? Ao mesmo tempo, a negação feita por Wang de que outras teorias na cultura tradicional chinesa, além do confucionismo, não são teorias de desenvolvimento social está incorreta.

Terceiro, Wang entende equivocadamente a essência e o conteúdo especiais do marxismo como cultura. Como a constituição do Partido e a constituição da República Popular estipulam, a ideologia orientadora do nosso partido e Estado é o Marxismo-Leninismo e o Pensamento de Mao Tsé-Tung. Por isso, líderes em todos os níveis, bem como a grande maioria dos acadêmicos usam o conceito de “marxismo” em seus discursos e artigos. No entanto, constato que muitos apenas usam o conceito de “marxismo” e algumas de suas frases, mas não entendem o significado científico do “marxismo”. Isso vale para líderes de médio e alto escalão, bem como para especialistas e professores de marxismo. Por exemplo, alguns professores da Escola do Comitê Central do Partido Comunista da China interpretam o marxismo, o comunismo e o socialismo meramente como “melhorar um pouco a vida do povo”. Até mesmo Wang Changjiang [15] afirmou na Conferência de Treinamento de Professores da Escola Nacional do Partido que o marxismo seria apenas alguns conceitos e categorias que Marx e Engels ponderaram em uma sala e depois juntaram em um sistema. Se nós, estudiosos profissionais, não o entendemos o marxismo, como podemos usá-lo como a ideologia orientadora para todo o Partido e sociedade? Como Wang Xuedian interpreta o marxismo é algo incerto para mim. Mas a sua visão de que o marxismo é “compatível” com o confucionismo mostra que Wang fundamentalmente não entende o marxismo. Por ser um professor de marxismo, tendo ao longo de toda uma vida estudado as obras originais do marxismo e a história do desenvolvimento do marxismo, passei a definir o marxismo como “um sistema científico aberto, em desenvolvimento, fundado por Marx e Engels, baseado na teoria do materialismo histórico, que fala sobre a oposição, luta e eventual vitória do socialismo sobre o capitalismo, a realização do comunismo através da auto-libertação do proletariado pela via da abolição da propriedade privada.” Seu núcleo e essência estão baseados na eliminação da propriedade privada e na eliminação das classes. Qualquer “marxismo” que não fale sobre luta de classes e eliminação da propriedade privada não é marxismo, mas uma completa falsificação do marxismo. De acordo com essa interpretação do marxismo, a essência do confucionismo é a de manter os interesses fundamentais da classe dominante feudal dos latifundiários. Embora alguns de seus conteúdos razoáveis e essenciais tenham semelhanças com algumas frases do marxismo, toda a cultura tradicional chinesa, incluindo a confuciana, não contém o conceito de luta de classes. Portanto, não se pode dizer genericamente que a cultura confuciana é “compatível” com o marxismo, nem se pode dizer genericamente que a cultura tradicional chinesa é “compatível” com o marxismo.

Tradução: Gabriel Martinez

Notas do Tradutor

Fonte: http://www.kunlunce.com/llyj/fl1/2023-12-15/173929.html

[1] O período dos Reinos Combatentes foi um período na história da China que durou aproximadamente de 475 a.C a 221 a.c.Esse período foi marcado pela divisão da China em vários estados, que combatiam e competiam entre si pela supremacia e poder político.  Os principais reinos desse período foram os reinos Qi, Chu, Yan, Han, Zhao, Wei e Qin. Foi um período marcado pelo surgimento de várias correntes filosóficas e de pensamentos, que marcariam e moldariam a sociedade chinesa em períodos posteriores. O período dos Reinos Combatentes termina com a vitória do reino Qin, que sob a liderança Qin Shihuang, edifica a dinastia Qin, formando um império unificado. 

[2] Xunzi, Zhuangzi e Mozi foram três importantes filósofos chineses que viveram durante o período dos Estados Combatentes.

[3] Dong Zhongshu (179–104 a.C.) foi um filósofo e político chinês que viveu durante a dinastia Han. Ele é conhecido por ser um dos principais proponentes do confucionismo e por ter desempenhado um papel crucial na promoção dessa filosofia como a ideologia oficial do Estado chinês.

[4] Zhu Xi (1130-1200) foi um influente filósofo e erudito chinês da dinastia Song. Ele é considerado um dos principais expoentes do neoconfucionismo, uma escola de pensamento que revitalizou e reinterpretou os ensinamentos de Confúcio para se adequarem ao contexto de sua época. Zhu Xi enfatizou a importância do estudo rigoroso dos clássicos confucionistas e da prática da auto-cultivação moral. O pensamento de Zhu Xi tiveram uma profunda influência na China, no Japão, na Coreia e em outras partes da Ásia Oriental, dando forma ao pensamento e a educação confucionista. Seus comentários sobre os Quatro Livros (Grandes Aprendizados, Doutrina do Meio, Analectos e Mêncio) tornaram-se textos padrão para o estudo do confucionismo até o início do século XX.

[5] Lu Xun (1881-1936) foi um dos mais importantes escritores e intelectuais chineses do século XX. Considerado o pai da literatura moderna chinesa. Nascido na província de Zhejiang, Lu Xun estudou no Japão, regressando à China para se dedicar à literatura e a promoção de reformas sociais. Suas obras mais famosas incluem “Diário de um Louco” (1918) e “A Verdadeira História de Ah Q” (1921). Lu Xun foi um arguto crítico do feudalismo e da cultura tradicional chinesa, sendo uma das figuras mais influentes durante o Movimento 4 de Maio de 1919. Ele foi elogiado diversas vezes por Mao Tsé-Tung, que o considerava um intelectual modelo. 

[6] O conceito de “sociedade moderadamente próspera”, ou xiaokang (小康), possui sua origemno Livro dos Sons, um importante compilado de poemas de autoria anônima, mas que tradicionalmente acredita-se ter sido compilado por Yin Jifu e editado por Confúcio. Já em um contexto mais atual, o termo passou a ser utilizado com frequência pelo Partido Comunista da China, especialmente após Deng Xiaoping, em 1979, em um encontro com o Primeiro Ministro japonês, Masayoshi Ohira, mencionou o conceito para se referir ao que seriam os objetivos das políticas de Reforma e Abertura.

[7] Kang Youwei (1858-1927) foi um importante reformador, pensador e líder político chinês durante o final da dinastia Qing. Foi defensor da implementação de um regime  monárquico constitucional e por seu papel central na tentativa de reforma conhecida como Reforma dos Cem Dias em 1898.

[8] Chen Duxiu foi um importante intelectual e jornalista chinês. Foi um dos fundadores do Partido Comunista da China em 1921. Chen Duxiu foi um líder influente no início das atividades do Partido, tendo desempenhado um importante papel no processo de sua fundação. Ele também foi o editor-chefe da revista Nova Juventue (Xin Qingnian), principal publicação responsável por disseminar novas ideias políticas e culturais progressistas na China no período do Movimento 4 de Maio. Posteriormente, Chen Duxiu foi o principal responsável pela linha oportunista de direita no contexto da primeira frente única com o Kuomintang. Com a derrota da primeira revolução, Chen Duxiu rompe com o Partido Comunista da China e com a Internacional Comunista, se aproximando das teses o trotskismo. 

[9] Li Dazhao foi um intelectual, bibliotecário e professor, que desempenhou um papel fundamental no início do movimento comunista na China. Foi um dos fundadores do Partido Comunista da China em 1921 e um dos primeiros teóricos marxistas na China. Li Dazhao foi executado em 1927, durante o Movimento de Supressão Contrarrevolucionária, liderado pelo Kuomintang, depois da ruptura da primeira frente única entre comunistas e nacionalistas.

[10] Fang Fang, cujo nome real é Wang Fang, é uma escritora chinesa contemporânea conhecida por sua ficção e ensaios que abordam questões sociais e políticas na China moderna. Em 2020, Fang Fang adquiriu projeção internacional por publicar seu diário online sobre a vida durante o lockdown de Wuhan devido à pandemia de COVID-19. Por suas posições críticas ao governo chinês, suas opiniões anticomunistas e direitistas, a autora passou a ser publicada e promovida pela imprensa dos países capitalistas ocidentais.

[12] Latifundiários famosos na história da China antes da fundação da República Popular em 1949.

[13] Em janeiro de 2011, uma gigantesca estátua de Confúcio foi construída e colocada na Praça da Paz Celestial; porém, quatro meses depois, em abril do mesmo ano, ela foi retirada do local.

[14] Yu Dan é uma acadêmica e autora chinesa, conhecida por suas interpretações contemporâneas dos clássicos da filosofia chinesa, particularmente o Confucionismo. Yu Dan é professora na Faculdade de Artes e Mídia da Universidade de Comunicação da China. A partir de 2006, adquiriu fama nacional em programas de televisão apresentando suas interpretações sobre Os Analectos de Confúcio. Seu trabalho tem contribuído para um ressurgimento do interesse pelo Confucionismo na China moderna.

[15] Wang Changjiang é professor na Escola do Comitê Central do Partido Comunista da China, especialista em pesquisa sobre construção partidária. Em 2016, esteve no centro de uma polêmica ideológica depois de proferir um discurso na Escola do Partido, onde expôs uma série de concepções anti-marxistas e afirmou que o marxismo seria uma “bela teoria, mas não prática”.

Autor

POSTS RELACIONADOS

Chen Hong e Jiang Bo: Crítica da “Leninologia” Ocidental

Leia mais »

He Ganqiang: O que nos impediu de cair na tragédia histórica das “reformas” soviéticas?

Leia mais »

Zhou Xincheng: Desmascarando as mentiras que distorcem Engels—Analisando os perigos da proliferação do socialismo democrático

Leia mais »