Sobre o conceito de exploração no marxismo

Artigo retirado do livro “Jiannan de tansuo, zhengui de chengguo: Zhongguo gongchandang shi zenyang queli shehui zhuyi chuji jieduan de jingji zhidu” 艰难的探索,珍贵的成果:中国共产党是怎样确立社会主义初级阶段的经济制度 [Difícil exploração e preciosa conquista: como o Partido Comunista da China estabeleceu o sistema econômico da etapa primária do socialismo], publicado em 2016 pela Zhongguo shehui kexue chuban she 中国社会科学出版社 [Editorial de Ciências Sociais da China].

Zhou Xincheng*

A exploração é uma relação econômica estabelecida entre as pessoas quando a humanidade atinge certo estágio de desenvolvimento. Para lidarmos com o fenômeno da exploração, nós devemos usar o materialismo histórico, ou seja, devemos levar em consideração as condições históricas concretas para analisar a exploração; ela não pode ser afirmada ou negada de maneira abstrata. Vendo a partir de uma perspectiva moral, a exploração do homem pelo homem é algo irracional, ou até mesmo um fenômeno repulsivo, que deve ser firmemente condenado. No entanto, a indignação moral, não importa o quão humano ela seja, ainda não é suficiente para ser usada como base para a analise dos problemas do desenvolvimento social. Como marxistas, o mais importante é investigarmos as raízes que produziram a exploração, o papel histórico que ela desempenha e as condições necessárias para sua eliminação. Os diferentes tipos de formas de exploração refletem diferentes tipos de relações de produção. Ao investigarmos o papel e a posição histórica da exploração, nós devemos usar o princípio marxista sobre a interrelação entre as forças produtivas e as relações de produção. O marxismo nos ensina que as forças produtivas determinam as relações de produção, e por sua vez as relações de produção também influenciam as forças produtivas, acelerando ou obstruindo o seu desenvolvimento. Se as relações de produção correspondem ao caráter das forças produtivas então elas podem estimular o desenvolvimento das forças produtivas, convertendo-se em uma poderosa força motriz para a promoção do desenvolvimento das forças produtivas; se as relações de produção não correspondem ao caráter das forças produtivas elas podem obstruir e limitar o desenvolvimento das forças produtivas. Nós devemos julgar os méritos e deméritos de uma determinada forma de exploração mais a partir do ângulo de se ele promove ou obstrui o desenvolvimento das forças produtivas, do que a partir do ponto de vista da nossas ideias e sentimentos tendo como parâmetro apenas conceitos morais.

Depois da desintegração da comunidade primitiva, a sociedade humana entrou na fase do escravismo. Os senhores de escravo consideravam os escravos como ferramentas falantes, aplicando contra eles uma exploração e escravidão desumanas. Ao julgarmos com a perspectiva atual, é claro que esse tipo de comportamento deve receber nossa condenação. No entanto, condenar o sistema escravista usando argumentos superficiais, dando rédeas soltas a uma nobre indignação é algo inútil. Se aprofundarmos nossa investigação, nós não poderemos deixar de reconhecer que, nas condições históricas onde o escravismo substituiu a comunidade primitiva, esse tipo de exploração foi um progresso. Devido o nível de desenvolvimento das forças produtivas ser extremamente baixo e o excedentes de produtos extremamente raro, a brutal exploração dos escravos tornou-se uma condição necessária para o posterior desenvolvimento das forças produtivas e o florescimento da cultura e da ciência. Como afirmou Engels: “Apenas a escravidão tornou possível uma grande divisão do trabalho entre a agricultura e a indústria, criando assim as condições para o florescimento da cultura antiga, ou seja, da cultura helênica. Sem a escravidão, não haveria o estado grego, nem as artes e ciências gregas; sem a escravidão, não haveria o império romano. Sem a cultura grega e os fundamentos estabelecidos pelo império romano, não haveria a Europa moderna.” (Obras Escolhidas de Marx e Enges, Vol.3, Editorial do Povo. Pg.524.) Ele afirmou completamente o papel histórico desse brutal sistema de exploração, inclusive considerando que, em certo sentido, “sem o sistema escravista antigo não haveria o socialismo moderno.” Obviamente, o papel histórico do sistema escravista é limitado, temporário, pois a brutal exploração dos escravos faz com que estes não tenham entusiasmo, destruam os instrumentos de produção e realizem fugas e revoltas em grande escala, dessa forma, com o desenvolvimento das forças produtivas, esse tipo de sistema gradualmente se converteu em um entrave ao desenvolvimento das forças produtivas, sendo inevitável que fosse substituído pelo sistema feudal.

O sistema capitalista, sendo o último sistema da sociedade humana baseado na exploração, também passa por um processo em que este possibilita o desenvolvimento forças produtivas e posteriormente converte-se em um entrave para tal desenvolvimento. No último período do feudalismo, a acumulação primitiva de capital leva a concentração dos meios de produção nas mãos de poucos capitalistas, ao passo que a maioria dos trabalhadores não possuem nada, exceto sua força de trabalho. Os capitalistas que controlam os meios de produção compram a força de trabalho no mercado, contratando trabalhadores para a produção e tomando para si a mais-valia criada pelos trabalhadores no processo de produção. A aparência de liberdade, igualdade e voluntariedade não podem ocultar a brutal exploração que os capitalistas exercem contra os trabalhadores, e a substituição da disciplina pela fome pela disciplina pelo porrete não muda a natureza de escravidão dos trabalhadores, como Engels, em seu livro A Situação da Classe Operária na Inglaterra, brilhantemente expôs. No entanto, ao mesmo tempo que Marx e Engels criticavam severamente a exploração capitalista, ao mesmo tempo eles afirmaram plenamente o seu papel histórico. Eles disseram: “A burguesia, em menos de cem anos de seu domínio de classe, criou mais forças produtivas do que foi criado por todas as gerações que a antecedeu.” (Obras Escolhidas de Marx e Enges, Vol.3, Editorial do Povo. Pg.524.) No entanto, com o desenvolvimento do capitalismo, a contradição entre o caráter social da produção e a apropriação privada ficou cada vez mais agudo, e o desenvolvimento das contradições do capitalismo demonstram que esse tipo de sistema de exploração já constitui um entrave para o desenvolvimento das forças produtivas, como consequência, soa o sino de morte da propriedade privada e chega a era da completa eliminação da exploração.

Atualmente, o nosso país está na etapa primária do socialismo. Nessas condições históricas, como devemos tratar a exploração? O socialismo eliminará a exploração, não há necessidade de escondermos esse ponto. Deng Xiaoping afirmou: “A natureza do socialismo é libertar e desenvolver as forças produtivas, eliminar a exploração, eliminar a polarização, e no fim alcançar a prosperidade comum.” (Obras Escolhidas de Deng Xiaoping, Vol.3, Editorial do Povo, 1993. Pg.373.) Ele toma a eliminação da exploração como a natureza do socialismo. No entanto, para que tal objetivo seja realizado é necessário que as condições estejam maduras. Na etapa primária do socialismo, ainda não estão maduras todas as condições para a eliminação da propriedade provada. Nós devemos aderir ao materialismo histórico, partindo do princípio das interação entre as relações de produção e as forças produtivas, definindo políticas que lidem com a exploração tendo como parâmetro se elas contribuem ou não com o desenvolvimento das forças produtivas, contribuem ou não com o fortalecimento do estado socialista e se elevam ou não o nível de vida do povo. É necessário negar completamente a exploração dos camponeses pelos latifundiários feudais, porque esta é completamente inapropriada com o caráter das forças produtivas e obstrui o seu desenvolvimento. Nós erradicamos esse tipo de exploração através da reforma agrária. Na exploração capitalista, aquela baseada na propriedade privada burguesa, os capitalistas se apropriam da mais-valia dos trabalhadores. Devemos fazer uma analise concreta de sua natureza. Por um lado, nas condições atuais, com o desenvolvimento das forças produtivas a produção adquire um caráter cada vez mais social, o que objetivamente exige que a sociedade se aproprie dos meios de produção e regule toda a economia nacional. A propriedade capitalista dos meios de produção não correspondem os requerimentos da natureza social das forças produtivas, existindo uma contradição profunda entre a socialização da produção e a apropriação privada capitalista. Vendo a partir das tendências gerais de desenvolvimento, não apenas é necessário, mas também inevitável que a propriedade pública socialista substitua a propriedade privada capitalista. É precisamente sob esta base que nós estabelecemos a posição dominante da propriedade pública socialista em toda a economia nacional, por meio do confisco do capital burocrático, levando a cabo a transformação da indústria privada e do comércio. Depois da Reforma e Abertura, nós sempre aderimos a propriedade pública como corpo principal e combatemos a privatização. Por um lado, atualmente nosso pais está na fase primária do socialismo, uma etapa não desenvolvida. Nós estabelecemos o socialismo em um país atrasado onde as forças produtivas não eram desenvolvidas, por isso tínhamos que, nas condições do socialismo, implementar uma industrialização e uma modernização de longa duração. Não podemos pular tal etapa histórica. Depois da fundação da Nova China, passando por sessenta anos de construção, as forças produtivas de nosso país viram viram um grande aumento, no entanto, de maneira geral, ainda não se alterou a situação de as forças produtivas não serem o suficientemente desenvolvidas. Além disso, em diversas áreas e unidades, o desenvolvimento das forças produtivas é extremamente desequilibrado. O nosso país possui tanto uma produção com alto nível de socialização que utiliza tecnologia avançada, quanto uma produção econômica descentralizada que utiliza ferramentas primitivas. Múltiplos níveis de desenvolvimento das forças produtivas também exige múltiplas estruturas de propriedade que se adaptem a elas. Essas condições exigem que, além da propriedade pública como corpo principal, ainda é necessário utilizar a economia individual, privada, empresas estrangeiras e joint-ventures e outras formas de propriedade não-pública como complemento. Esse tipo de propriedade não-pública satisfaz os diversos tipos de necessidade do povo e jogam um papel positivo para o desenvolvimento da economia nacional. Para adaptar ao objetivamente existente nível de desenvolvimento das forças produtivas e os requerimentos para o seu desenvolvimento, o sistema econômico básico do estágio primário do socialismo estabelecido em nosso país é baseado na propriedade pública como corpo principal, em desenvolvimento conjunto com vários componentes econômicos. Enquanto existir a economia privada baseada na propriedade privada, utilizando os trabalhadores assalariados na produção, a exploração capitalista é inevitável. No entanto, dentro do escopo das políticas estabelecidas pelo Estado, essa forma de exploração é benéfica e necessária para o desenvolvimento da economia nacional, devendo ser protegida. Na etapa primária do socialismo, a existência da exploração na economia privada e nas empresas estrangeiras é benéfica para o desenvolvimento das forças produtivas, portanto nossas políticas não apenas devem permitir a sua existência, mas também devem apoia-la e estimula-la até determinado ponto.

Ao explicarmos como tratar a exploração, é necessário do ponto de vista teórico fazer duas divisões:

Primeiro, é necessário fazer uma separação entre o que é a exploração em si e o papel da exploração. Como explicamos acima, a exploração é uma relação econômica que existe objetivamente. Enquanto existir propriedade privada os proprietários dos meios de produção irão utilizá-los para se apropriarem das riquezas produzidas pelos trabalhadores, então a exploração existe objetivamente. As diferenças no ambiente externo apenas podem afetar a forma de manifestação da exploração, mas não podem alterar o fato da exploração em si. Não se pode dizer que nos países capitalistas a contratação de trabalhadores assalariados para a extração de mais-valia é exploração, mas quando eles investem na China, empregando trabalhadores e extraindo sua mais-valia na base da propriedade privada, isso não seria exploração. Isso não faz sentido. Porém, diferentes condições objetivas fazem com que a mesma forma de exploração possua diferentes funções históricas. Se em nível mundial o modo de produção capitalista já é um entrave para o desenvolvimento das forcas produtivas, e como resultado “soam os sinos de morte da propriedade privada”, então como nas condições concretas da etapa primária do socialismo em nosso país as relações de exploração de natureza capitalista ainda jogam um papel positivo para o desenvolvimento da economia nacional? Não é porque nós queremos eliminar a exploração que devemos negar o papel positivo da existência da forma de exploração capitalista, nem podemos considerar que, pelo fato dela jogar um papel positivo, devemos negar que ela é uma relação de exploração. Nós somos materialistas históricos, portanto devemos tratar a exploração de maneira prática e realista. Se a exploração existe objetivamente, devemos reconhecê-la. Objetivamente diversos tipos de forma de exploração ainda são benéficos para o desenvolvimento econômico, portanto devemos afirmar o seu papel positivo. Obviamente, há diferentes ênfases nos diferentes períodos do trabalho de propaganda, mas é necessário que tenhamos um claro entendimento teórico, não negando o fato da existência das relações de exploração.

Segundo, devemos compreender bem a relação entre o programa máximo e o programa atual. O nosso programa máximo possui diferenças e semelhanças com o programa máximo. O objetivo final dos comunistas é realizar o comunismo, algo que Marx e Engels anunciaram perante todo o mundo no Manifesto do Partido Comunista. A sociedade comunista irá eliminar a propriedade privada, as classes sociais e a exploração. Todo nosso trabalho busca avançar nessa direção. No entanto, a realização tal objetivo não ocorre em um piscar de olhos. É algo que deve ser avançado passo a passo na medida em que as condições amadureçam. Engels, ao responder se a propriedade privada poderia ou não ser eliminada de uma só vez, respondeu: “Não, do mesmo modo que não se podem fazer aumentar de um só golpe as forças produtivas já existentes tanto quanto é necessário para a edificação da comunidade. Por isso a revolução do proletariado, que com toda a naturalidade se vai aproximando, só a pouco e pouco poderá, portanto, transformar a sociedade actual, e somente poderá abolir a propriedade privada quando estiver criada a massa de meios de produção necessária para isso.” (Obras Escolhidas de Marx e Enges, Vol.1, Editorial do Povo. Pg.239.) Também em relação a exploração nós devemos ter esse tipo de entendimento. O nosso objetivo final é eliminar completamente a exploração, no entanto, nas condições atuais da etapa primária do socialismo, ainda devemos manter e utilizar certas formas de exploração. O nosso programa atual está a serviço da realização do programa máximo. Formular um programa realista apenas partindo da teoria abstrata e do objetivo final futuro não é suficiente. Nós devemos considerar como promover o desenvolvimento das forças produtivas à luz das condições concretas atuais, de outro modo o programa não será um passo adiante da realização do programa máximo. O programa mínimo não pode estar separado do programa máximo, e um programa sem o seu objetivo final é algo sem significado. Hoje nós protegemos a exploração para eliminá-la futuramente, não perpetuá-la. A utilização da exploração para desenvolver as forças produtivas cria as condições para sua eliminação final. Isso é algo que faz parte da dialética da história.

Tradução: Gabriel Martinez

Autor

  • Zhou Xincheng

    Zhou Xincheng nasceu em dezembro de 1934, na província de Jiangsu na República Popular da China; economista, teórico marxista, educador e especialista em questões da União Soviética e Europa Oriental; ex-reitor da Escola de Pós-Graduação da Universidade do Povo da China, professor da Escola de Marxismo na Universidade do Povo da China. Faleceu em outubro de 2020.

POSTS RELACIONADOS

Chen Hong e Jiang Bo: Crítica da “Leninologia” Ocidental

Leia mais »

He Ganqiang: O que nos impediu de cair na tragédia histórica das “reformas” soviéticas?

Leia mais »

Zhou Xincheng: Desmascarando as mentiras que distorcem Engels—Analisando os perigos da proliferação do socialismo democrático

Leia mais »